sexta-feira, 2 de julho de 2010

Diz a lenda que Adão cresceu sozinho. Ano após ano, lá estava ele, abandonado e nu, vivendo um marasmo neste mundaréu chamado Terra. Pois se o planeta já é realmente grande, imagine para um homem só! - na empreitada, Adão ganhou uma infinidade de maravilhas a serem descobertas. Mas como o tédio, desde os primórdios, assola todo ser humano, não demorou para nosso pobre elo perdido se sentir sozinho. Aperto no peito, dor no coração, estava em estréia essa tal de solidão!
Logo providenciaram a companhia: mulherão neanderthal pra ninguém botar defeito. Juntos, fizeram miséria com a terrinha, rolaram na areia, comeram maçãs... Pecaram pra diabo, mas comprovaram a teoria: o mundo não vai pra frente quando você está sozinho. E eis que o mundo foi pra frente, de um modo meio torto - mas foi. Milhões de anos se passaram, vieram revoluções, guerras, o biquíni, a tecnologia. Surgiu um mundo relativamente avançado, e agora estamos aí: querendo novamente brincar de Adão. Insistindo na auto-suficiência.
De todos os produtos hoje vendidos, o que mais sai é a independência. Vende que nem água. E apesar de não vir em caixas, está embutida em uma porção de idéias que te dizem que o mais prático é ficar sozinho. Ok, a solidão pode ser triste, mas para quê investir em relacionamentos com tendência comprovada ao fracasso? Para quê jogar o buquê quando logo,logo as fotos é que serão descartadas? Filhos? Você pode conseguir sozinho. Amigos? Haverá os circunstanciais. A vida virou um enorme sachê de amostra-grátis, e as doses me parecem cada vez mais fracas.
Tudo porque, em certo momento, a entrega do coração perdeu para a tele-entrega da pizza. E porque, enquanto isso, os limites abolidos com a internet permitiram muros enormes entre pessoas. Independente da tua teoria de criação do mundo, os criados necessariamente foram dois. Um par. Emissor e receptor. Sístole e diástole. Um mundo inteiro existindo num mutualismo inegável e nós aqui apostando na tecla esc.
E eu insisto nessa idéia porque ainda acredito na carne e no osso. Ainda tenho lágrimas salgadas e um abraço doce. Ainda reivindico o "pessoalmente", a humanidade e a ambigüidade da palavra conexão. Sabe, essas coisinhas fundamentais que a gente não conquista no efeito de um clique. Não me clique. E se "amar" virar verbo defectivo, conjugue pelo menos, na primeira pessoa. Pode até começar em "eu", mas tem grandes chances de terminar em "nós".

 
 
[ MILENA GOUVÊA ]

Nenhum comentário:

Postar um comentário