sexta-feira, 23 de julho de 2010

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Milena Gouvêa

"Já era esperado que o tempo fizesse tantos rodeios para te trazer. As melhores coisas da vida – as mais densas e as mais doces – podem demorar anos para chegar ou serem percebidas. Príncipe encantado é uma delas. Dizem que eles vêm à cavalo, mas sei lá por que (vai ver foram as tuas rebeldias) você resolveu vir à pé. Veio devagar, olhando a paisagem, sem pressa de chegar. E eu aqui, com esse coração desiludido! Apressado para encontrar alguém, porém preguiçoso demais para arriscar. Demorou, demorou. Tão lento quanto ele. Mas chegou, mas veio.



E também quando veio, não houve cardiologista que desse jeito. Carros de fórmula 1 ficariam para trás, foguetes repensariam seus conceitos sobre velocidade. Até a luz pararia para tomar fôlego. Não venceriam, não do lado deste coração aqui. Ganhou vida de novo, acelerou completamente. Cento e vinte batimentos por minuto e você em todos eles. Bombeando vida pro corpo, motivo para os dias, pulsação de novidade.


Virou totalidade. Coração na boca, coração na mão. Fiz das tripas coração. E quando vi, era você em toda parte. Na certeza, na surpresa, no impulso que me fazia apaixonada e nessa serenidade que é achar um porto seguro. Eu era eletricidade. Inflamável à tua presença, iluminada por essa vida nova. O coração seguia palpitando, acelerando. E eu, desde então, segui Fernando.


Diga trinta e três: nunca me senti tão viva. Diga um ano e cinco meses: a felicidade resolveu provar que existe. Diga infinito, meu amor, que eu vou lá buscar pra nós. E nós vamos provar pro mundo que frio na barriga e rotina dançam juntos, que a chance a sorte podem ser amantes. Que tudo pode até ser assim cético e cinza, mas no meio de tanta friagem, a nossa verdade existe. Imune ao tempo, indiferente à distância, bem cuidada como todo coração deve ser.


E o meu segue quente, fervendo, acelerandosódepensaremvocê. Aliviado pela luta vencida, mas renovado pelo prêmio do final. Mais forte, mais vermelho. Hoje ele não bate: espanca. Sacode, move o mundo. Grita teu nome. Desestimula os dias sem você a fazerem sentido. Treina rápido e acelera, porque sabe que tem muito ainda pela frente. E sorri tranqüilo a cada dia, por ter um milagre tão grande e constante para agradecer. Piegas ao extremo, romântico de nascença. Mas nunca, nunca mais o mesmo. Eu só vivo amor desde que resolvi viver você."

Diz a lenda que Adão cresceu sozinho. Ano após ano, lá estava ele, abandonado e nu, vivendo um marasmo neste mundaréu chamado Terra. Pois se o planeta já é realmente grande, imagine para um homem só! - na empreitada, Adão ganhou uma infinidade de maravilhas a serem descobertas. Mas como o tédio, desde os primórdios, assola todo ser humano, não demorou para nosso pobre elo perdido se sentir sozinho. Aperto no peito, dor no coração, estava em estréia essa tal de solidão!
Logo providenciaram a companhia: mulherão neanderthal pra ninguém botar defeito. Juntos, fizeram miséria com a terrinha, rolaram na areia, comeram maçãs... Pecaram pra diabo, mas comprovaram a teoria: o mundo não vai pra frente quando você está sozinho. E eis que o mundo foi pra frente, de um modo meio torto - mas foi. Milhões de anos se passaram, vieram revoluções, guerras, o biquíni, a tecnologia. Surgiu um mundo relativamente avançado, e agora estamos aí: querendo novamente brincar de Adão. Insistindo na auto-suficiência.
De todos os produtos hoje vendidos, o que mais sai é a independência. Vende que nem água. E apesar de não vir em caixas, está embutida em uma porção de idéias que te dizem que o mais prático é ficar sozinho. Ok, a solidão pode ser triste, mas para quê investir em relacionamentos com tendência comprovada ao fracasso? Para quê jogar o buquê quando logo,logo as fotos é que serão descartadas? Filhos? Você pode conseguir sozinho. Amigos? Haverá os circunstanciais. A vida virou um enorme sachê de amostra-grátis, e as doses me parecem cada vez mais fracas.
Tudo porque, em certo momento, a entrega do coração perdeu para a tele-entrega da pizza. E porque, enquanto isso, os limites abolidos com a internet permitiram muros enormes entre pessoas. Independente da tua teoria de criação do mundo, os criados necessariamente foram dois. Um par. Emissor e receptor. Sístole e diástole. Um mundo inteiro existindo num mutualismo inegável e nós aqui apostando na tecla esc.
E eu insisto nessa idéia porque ainda acredito na carne e no osso. Ainda tenho lágrimas salgadas e um abraço doce. Ainda reivindico o "pessoalmente", a humanidade e a ambigüidade da palavra conexão. Sabe, essas coisinhas fundamentais que a gente não conquista no efeito de um clique. Não me clique. E se "amar" virar verbo defectivo, conjugue pelo menos, na primeira pessoa. Pode até começar em "eu", mas tem grandes chances de terminar em "nós".

 
 
[ MILENA GOUVÊA ]